Atividades
da sequência didática realizada com os alunos dos 5º anos, pela
professora Maria Madalena.
Se
eu fosse um pintor
Cecília
Meireles
Se eu
fosse pintor,
começaria a delinear
este primeiro plano de
trepadeiras entrelaçadas,
com pequenos jasmins e grandes
campânulas roxas,
por onde flutua uma borboleta cor de marfim,
com um pouco de ouro nas pontas das asas.
Mas
logo depois,
entre o primeiro plano e a casa fechada,
há
pombos de cintilante alvura,
e pássaros azuis tão rápidos
e
certeiros que seria impossível deixar de fixá-los,
para dar
alegria aos olhos
dos que jamais os viram ou verão.
Mas
o quintal da casa abandonada
ostenta uma delicada mangueira,
ainda com moles folhas cor de bronze
sobre a cerrada fronde
sombria,
uma delicada mangueira,
repleta de pequenos frutos,
de um verde tenro,
que se destacam do verde-escuro
como
se estivessem ali
apenas para tornar a árvore um ornamento vivo,
entre os muros brancos,
os pisos vermelhos,
o jogo das
escadas e
dos telhados em redor.
E
que faria eu, pintor,
dos inúmeros pardais que pousam
nesses
muros e nesses telhados,
e aí conversam, namoram-se, amam-se,
e
dizem adeus,
cada um com seu destino,
entre a floresta e os
jardins,
o vento e a névoa?
Mas
por detrás estão as velhas casas,
pequenas e tortas,
pintadas
de cores vivas,
como desenhos infantis,
com seus varais
carregados de toalhas de mesa,
saias floridas,
panos vermelhos
e amarelos,
combinados harmoniosamente
pela lavadeira que ali
os colocou.
Se
eu fosse pintor, como poderia
perder esse arranjo,
tão
simples e natural,
e ao mesmo tempo de tão admirável efeito?
Mas,
depois disso, aparecem várias fachadas,
que se vão sobrepondo
umas às outras,
dispostas entre palmeiras e arbustos vários,
pelas encostas do morro.
Aparecem mesmo dois ou três
castelos,
azuis e brancos,
e um deles tem até,
na ponta
da torre,
um galo de metal verde.
Eu, pintor,
como
deixaria de pintar tão graciosos motivos?
Sinto,
porém, que tudo isso
por onde vão meus olhos,
ao subirem do
vale à montanha,
possui uma riqueza invisível,
que a
distância abafa e desfaz:
por detrás dessas paredes,
desses
muros,
dentro dessas casas pobres e
desses castelinhos de
brinquedo,
há criaturas que falam, discutem,
entendem-se e
não se entendem,
amam, odeiam, desejam,
acordam todos os
dias com mil perguntas e
não sei se chegam à noite com alguma
resposta.
Se
eu fosse pintor,
gostaria de pintar esse último plano,
esse
último recesso da paisagem.
Mas houve jamais algum pintor
que
pudesse fixar esse móvel oceano,
inquieto,
incerto,
constantemente variável
que é o pensamento humano?